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O Jornal de Beltrão teve acesso a um extenso material que indica a atuação da organização criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) dentro da Penitenciária Estadual de Francisco Beltrão. São 33 cartas manuscritas que serviam de comunicação entre os detentos e revelam a atuação do crime organizado, circulação de drogas, ameaças de morte a funcionários, funcionamento de um "tribunal do crime" dentro da unidade e queixas de presos com relação ao atendimento prestado pelos profissionais de diversos setores. Há ainda 16 comunicados internos da segurança que demonstram o cotidiano de brigas, tentativas de rebelião, insubordinação, confecção de estoques (armas artesanais) etc. A direção negou a existência da facção criminosa na penitenciária em matéria veiculada no dia 25 de julho.

As cartas foram interceptadas pela equipe de segurança nos dois últimos meses e representam apenas uma pequena parte do que circula dentro do prédio. A maioria delas é assinada com o lema do PCC: Paz, Justiça, Liberdade, Igualdade e União (P.J.L.I.U). Não há informações oficiais sobre a expansão do crime organizado no Paraná. O último relatório da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), vinculada ao Ministério da Justiça, de 2011, dizia que 27 novos integrantes do grupo tinham sido "batizados" no Estado naquele ano.











A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Paraná (Seju) que nega a existência do PCC no Estado. "Em princípio, não há nenhum membro oficial do PCC nas 31 unidades penitenciárias do Paraná. No entanto, há sempre um ou outro preso que, para se cacifar internamente e mostrar poder, difunde esse tipo de informação. Para investigar esse e outros tipos de conduta, nós temos um serviço de inteligência do sistema penitenciário, que trabalha de forma estreita com outros serviços de inteligência, como os da Polícia Federal e Polícias Civil e Militar do Paraná", diz nota da assessoria de imprensa.







O PCC é hoje a maior facção criminosa do país. Foi criado dentro da cadeia e sempre liderado por um grupo de presos. É considerado o "partido do crime", tem um estatuto próprio, cobra mensalidade e promove um ritual de "batismo" para o preso se tornar um filiado. O Ministério Público afirmou que tem conhecimento do material e tomou as providências necessárias (Confira entrevista ao lado com o promotor Fabrício Trevizan Almeida). Alguns destes presos já teriam sido transferidos.
"Dever de matar por nós"
Em um dos "salve" - espécie de comunicado interno da facção criminosa - datado de 13 de maio deste ano e assinado pela pessoa que se autodenomina o "Jet" (gerente) do prédio, tem o seguinte trecho: "o maior objetivo do PCC é abrir espaço dentro do sistema e deixar nosso espaço mais favorável para nós e nossos familiares, melhorar o atendimento do corpo técnico da unidade, lutando contra eles através de denúncia diariamente aos órgãos competentes do Estado, deixando claro que estamos pedindo apoio das ruas. Nossos irmãos têm o dever de matar funcionários por nós. Irmãos e companheiros já foi tudo enviado para a rua e estamos no aguardo".
Dentro da cadeia, eles dividem entre si as áreas de influência, cada responsável pela galeria é denomidado de "disciplina" e é este preso que fica encarregado de repassar o relatório através dos "pipos ou pipas" (cartas) de tudo que está acontecendo ao comando local do PCC.




Apreensão, medo e mudança de hábitos
"Estamos todos apreensivos, mudando hábitos e rotinas para não sermos vítimas de bandidos que matam e roubam cruelmente por pura ideologia", afirma um funcionário que não será identificado por motivo de segurança. Segundo ele, carros com placas de diversas cidades do país, supostamente de membros do PCC, já foram abordados pela polícia na cidade. Hoje, a penitenciária tem aproximadamente 160 agentes, mas pela quantidade de presos (1.040) o número ideal seria 208, ou seja, um agente para cada cinco detentos - o quadro oficial na época da inauguração era de 220 servidores em diversas áreas.
Conforme disse o funcionário, é o chefe do PCC em Beltrão que determina quem comanda qual galeria, qual bloco, como funcionam os acertos de preso com preso etc. "Tem mais um detalhe, em uma das cartas, o 'Jet', que comanda a unidade, solicitou ao seu chefe em nível nacional, a autorização para iniciar uma rebelião sangrenta", conta. Em Curitiba este ano já foram assassinados dois agentes penitenciários. O cotidiano de medo é tão grande que um dos funcionários da presídio local chega a trocar de moradia a cada três ou quatro meses. Há relatos de diversos afastamentos psiquiátricos em função da pressão em que se encontram os trabalhadores da penitenciária.
Quem trabalha lá dentro sabe que a penitenciária viveu em calmaria até a vinda de presos perigosos de Curitiba e de Maringá, transferidos por terem iniciado rebeliões em suas respectivas unidades. Mesmo já tendo sido recambiados, há informação de que presidiários locais foram batizados no PCC para dar continuidade na ideologia.



Faltam condições de trabalho
Os agentes penitenciários também reclamam das condições de trabalho. Afirmam que à noite, quando os presos do semiaberto retornam do trabalho, a revista tem que ser feita em um local de pouca iluminação. "O Estado não repõe as lâmpadas queimadas e não fornece lanternas. Dificulta muito nosso serviço", revela um deles.
O espaço destinado ao trabalho de presos à noite fica fechado com um cadeado. "Eles podem esconder o que quiserem lá dentro, não temos autonomia para fazer uma revista. Existem carrinhos com fardos de jeans transitando o dia inteiro sem que sejam revistados. Empregados das empresas de confecções, que mantém linhas de produção dentro da unidade, circulam livremente sem revista. Somos totalmente a favor do trabalho dos presos, ninguém se opõe a isso, é uma grande conquista, mas precisamos garantir que haja disciplina e segurança para todos", disse um dos funcionários que procurou a reportagem. 

Circulação de drogas na penitenciária
Várias das cartas que o JdeB recebeu descrevem a circulação de drogas na unidade. Algumas delas falam da chegada de remessas de entorpecentes sempre nas sextas-feiras, com volumes variados de 150g, 100g e 50g. Em um dos relatos, o preso presta contas a seu superior e confessa que, temendo a segurança, engoliu cigarros de maconha. Na carta, ele promete repor o combinado na sexta-feira seguinte, segundo o qual é o dia em que recebe o "bagulho".

O tribunal do crime
Um preso escreve para o Jet (gerente do prédio) e relata um desentendimento ocorrido no pátio durante partida de futebol. Igual a um tribunal, onde existe defesa e acusação, os presos apresentam sua "versão escrita" com todas as alegações e encaminham para o "juiz", que se encarrega de decidir quem está certo ou errado e a punição que deve ser tomada. "Ele até se redimiu lá no pátio, mas você sabe que nós temos uma disciplina a ser seguida e por ele ter me agredido eu quero uma punição para ele, para por ele no seu devido lugar e aprender a respeitar os irmãos", diz o relatório da parte que foi agredida. Algumas vezes, a punição pode ser o isolamento do pátio de sol por 30 dias outras a pena imposta é uma surra.
Trechos de cartas falam em disciplina e família do crime
JdeB separou dois trechos de cartas que demonstram como deve ser o comportamento dos membros do PCC dentro da unidade. Confira a transcrição: "Peço que todos os disciplinas enviem o relatório dos envolvidos em situações deselegantes, lembrando que tem que ter o nome do acusado, de quem está acusando e de todas as testemunhas envolvidas. Vamos estar resolvendo dentro da melhor forma dentro da disciplina e ideologia do Comando. Enquanto não houver uma conclusão da situação pelo comando (PCC), nenhum envolvido poderá sair de onde está. Agora, caso estejam tomando atitude isolada por conta própria e mandando alguém andar sem que seja corrido dentro dos trâmites corretos da organização do comando, este sentará no banco dos réus e terá que explicar perante o Tribunal do comando", diz carta datada de 16 de maio deste ano.
"A Jet vem humildemente ligar cada um de vocês numa responsa, que é o ponto de vista da disciplina. Sem pedir a opinião, uma punição errada é cabível também de uma punição, pois somos o exemplo pra massa, e não devemos nunca deixar qualquer tipo de situação respingar em nós e, por sermos uma família, devemos estar sempre em harmonia na comunicação pra que não haja o erro. Estamos solicitando o ponto de vista de todos, pra juntos termos um bom entendimento e resolver da melhor forma possível, pode crê, pois devemos pregar, mas também fazer uso da nossa causa, da nossa ideologia: Paz, Justiça, Liberdade, Igualdade e União para todos, sem exceção, pois perante o tribunal do crime somos todos iguais", assinada pela facção. 
Insegurança e falta de treinamento
Outro agente penitenciário entrevistado pela reportagem afirma que está até ensinando a sua esposa a atirar para um caso de emergência. “Até outro dia ela nem sabia segurar uma arma, agora está fazendo curso e tudo. A gente tem que estar preparado, a pressão é muito grande, não tem como dormir tranquilo”, comenta o agente, que não quis se identificar. Ele reclama que não são realizados  treinamentos com frequência para manter os agentes preparados para enfrentar as eventuais situações de risco. “Nem simulações nós fizemos”, diz.Outro problema enfrentado pelo agente é ter que lidar com os líderes do PCC. “Eles convidam os outros presos para fazer o batizado no comando. Se não aceitam, acabam criando uma oposição, é uma pressão para ter os outros do lado deles. Eu tive que me indispor com um dos líderes do comando porque ele ameaçou a minha família. Disse que o ‘motoqueiro fantasma’ ia ter que rodar aqui na cidade. Sem contar que tem famílias de integrantes do PCC que já estão morando na cidade, a gente sabe disso”, acrescenta. AP

fonte: Jornal de Beltrão
 
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